29 de mar. de 2014
Jogando xadrez com Priscila Fantin
Nascida no dia 18 de fevereiro de 1983 em Salvador, a baiana Priscila Fantin de Freitascomeçou cedo na carreira de artista. Aos cinco anos de idade já estava em frente às câmeras em comerciais publicitários. Aos quinze, fez seu primeiro teste de vídeo para a Rede Globo, e meses depois foi chamada para ser a protagonista da novela Malhação (1999). Outros trabalhos na televisão se seguiram, mas a relação com o cinema só começou quase uma década depois, A primeira experiência foi como dubladora da animação Carros (2006), dos Estúdios Disney, e depois no drama Orquestra dos Meninos (2008), em que aparecia como par romântico de Murilo Rosa. Sua primeira grande oportunidade na tela grande, no entanto, está se dando agora, em que além de ser protagonista é também uma das produtoras do thriller Jogo de Xadrez, em cartaz no país. E foi durante o lançamento deste projeto que a atriz conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira:
Qual foi o seu primeiro contato com o projeto Jogo de Xadrez?
Pri: O convite veio através do diretor do filme, Luiz Antonio Pereira, que me mandou o roteiro. Eu não o conhecia, mas fui atrás dos seus primeiros trabalhos, os curtas que havia feito antes, e os achei muito interessantes. Na época eu estava ainda amamentando o Romeu, meu filho, então passava muito tempo em casa. Estava mesmo em busca de algo diferente para fazer. Algo que me chamou atenção foi que nesse filme percebi que teria a oportunidade de ter uma caracterização mais marcante, que realmente chamasse atenção. Gostei também do tema, é o tipo de assunto que gosto de falar, que possibilita o debate, a troca de ideias. É muito importante quando surgem ocasiões como essa, em que podemos abrir os olhos dos espectadores quanto aos jogos do poder, mostrando como em casos assim a corda sempre arrebenta no lado do mais fraco.
Foi por causa desse entusiasmo que você decidiu participar também como produtora?
Pri: Sim, exatamente por isso. No papel de produtora associada, pude me aprofundar com mais intensidade no projeto. Cheguei a fazer laboratório sobre o personagem, visitei presídios, conversei com mulheres que passaram por situações parecidas com a que retratamos em cena. Entrei nas celas, conheci presidiárias, das mais perigosas até as mais tranquilas, e fui descobrir como elas se viram no dia a dia. Porque tudo o que sabemos são o que fizeram antes ou em momentos de tensão, rebeliões ou fugas. Não sabemos como é o cotidiano dentro de uma prisão.
Isso lhe possibilitou construir a Mina? O roteiro não oferecia esse olhar mais íntimo?
Pri: Foi uma coisa minha, de atriz. Muito do que vi e aprendi talvez não tenha chegado à tela, mas está ali, além da superfície e do que é visto. A Mina, minha personagem, certamente é melhor por causa desse esforço que fiz antes. Quando ela aparece pela primeira vez em Jogo de Xadrez, está presa há quatro anos. Como esse tempo teria influenciado a vida dessa secretária, o quanto ela teria embrutecido? São mudanças radicais, mas ainda assim possíveis, que pude descobrir em exemplos reais. Todo mundo ali é tratado como bicho, e não como um ser humano. É preciso desenvolver uma carcaça de proteção, uma pele mais forte, pois só assim é possível resistir. Descobri isso na prática, e foi assim que a Mina ganhou vida.
O que mais lhe atraiu nessa personagem?
Pri: Eu já estava na procura por algo diferente, que não fosse parecido com nada que havia feito anteriormente. E tanto a Mina em si quanto o filme Jogo de Xadrez me apresentaram um universo desconhecido, algo completamente novo. Era isso que estava buscando, queria novas experiências, novos desafios. Era o oposto do que estava acostumada. Além disso, esse filme me possibilitou mexer com meu corpo, com meu rosto, me coloquei por inteira à disposição da Mina, para o que pudesse servir na construção dessa personagem. Foi essa transformação que mais me entusiasmou.
O que você e a Mina possuem em comum?
Pri: Acho que quase nada… Quer dizer, ela é parte de mim, mas foi construída do zero, não tinha referências. Isso eu tive que ir atrás, fui buscar. A índole dela é duvidosa, por mais que esteja no papel de vítima, ela fez algo que a colocasse ali. Então, santa ela não é. Mas quer justiça, está tentando fazer a coisa certa, e esse aspecto dela foi o que me interessou. Além da oportunidade, é claro, de poder experimentar sensações e sentimentos muito distantes daqueles com os quais estou acostumada.
Jogo de Xadrez é um filme de gênero, que tenta ser autoral e comercial ao mesmo tempo. Como lidar com estas questões durante as filmagens?
Pri: O cinema brasileiro tem apostado no que dá certo nos últimos tempos. Ou são comédias românticas, ou thrillers policiais com muita violência. Jogo de Xadrez iria por esse segundo caminho, mas ainda assim não é exatamente isso. Filmes como Cidade de Deus (2002), Tropa de Elite (2007), Alemão (2014), eles possuem uma pegada comercial, que apostam naquilo que o público já espera. Sabe aquela coisa do “vamos fazer os atores se machucarem, falar muito palavrão…”, esse tipo de coisa que o espectador já está acostumado. Jogo de Xadrez tem outro olhar, que é essa parte mais autoral que vem do Luiz Pereira, o diretor. Ele é uma pessoa muito humana, politicamente correto, ético. Ele tinha essa preocupação muito grande para que não ficasse nesse lugar-comum, que fosse algo mais garantido.
Sendo você uma das produtoras e ele o diretor, como combinaram esses dois olhares?
Pri: Nem sempre foi fácil, isso posso te garantir (risos). O olhar do Luiz é muito próprio, muito pessoal. Com certeza, se fosse eu a diretora, seria um outro filme. Então muita coisa tive que concordar, ouvir o que ele pensava, pois foi isso que me convenceu a fazer parte do projeto em primeiro lugar. Esse lado dele é mais subjetivo, o filme não mostra as lutas, mas fala sobre elas. É tudo mais comedido. Os próprios diálogos são muito trabalhados, pensamos bastante nisso. Estudamos quais seriam as reações do público, o que pensariam de cada coisa que íamos agregando. A Mina é um bom exemplo, basta ver que ela é uma pessoa na prisão, mas quando está com a irmã é outra, completamente diferente. A minha visão é um pouco diferente da do Luiz, mas essa é a história que ele quis contar. Tem coisas na edição, no roteiro, detalhes que mudaria, mas era o filme dele e entrei na onda junto. Foi um processo de entrega total, de muita confiança.
A corrupção na política e na polícia são temas centrais de Jogo de Xadrez. O quão importante é discutirmos questões sociais através da arte?
Pri: Acho que a arte tem uma aceitação maior entre o público do que assuntos políticos e econômicos em geral. Conheço muita gente que, quando pega um jornal, lê só o segundo caderno, e pula as editorias de economia, política, policial. As pessoas já estão tão sofridas, que nem querem ficar sabendo de outras desgraças. Então, se conseguimos apresentar esses assuntos de forma lúdica, como entretenimento, mas não vazio, e, sim, provocando a reflexão, o resultado sempre é positivo. É super válido, ainda mais para quem não tem costume de se informar através das mídias específicas. Temos que falar de temas tabus, que enfrentam boicotes das grandes empresas. É importante se manifestar, ter uma posição. Desde o ano passado, com todos aqueles protestos, estamos vivendo no Brasil uma mudança muito grande. Há muita corrupção, e isso só será combatido quando as pessoas se conscientizarem, quando surgirem novas penas, e que sejam severas e eficazes. Não adianta só ficar no discurso. Quem erra tem que sofrer as consequências e servir de exemplo aos outros. Quanto mais a gente falar, melhor.
Entre Orquestra de Meninos e Jogo de Xadrez se passaram seis anos. Por que é tão difícil fazer cinema no Brasil?
Pri: Não sei. O que é fácil no Brasil? Nada. Tudo precisa muita luta, empenho, determinação. Não fiquei todo esse tempo afastada porque quis. O cinema é uma arte pela qual sempre fui apaixonada, é um veículo ao qual assisto sempre. Tenho muito respeito pelo Cinema, dentro da nossa arte, enquanto artista, reconheço como o espaço mais primoroso no qual podemos nos expressar. E sempre estive pronta para o Cinema, só que se faz muito pouco, e o pouco que se faz não chegava até mim. Mas sempre estive pronta para mais. Nesse tempo todo não fiquei sabendo de nada tão bacana, e é por isso que quero também produzir, fazer, atuar em mais áreas. Estou sempre atenta para o que a vida nos oferece, vou jogando com o que está ao meu alcance. Precisamos cada vez mais de filmes, mais roteiros. A Ancine também tem que ajudar, todo mundo tem que fazer sua parte. Não há uma preocupação do governo, que venha de cima, é tudo muito individual. Precisamos de mais incentivos, mais facilidades. Há uma série de artimanhas para se chegar até os canais certos que quem já as conhece consegue percorrê-las com mais tranquilidade, então é mais fácil, pra quem já está envolvido, continuar. Os de fora é que precisam ralar, pois não é fácil. E produção é algo muito difícil, começar é complicado. Os interesses comerciais falam muito alto, a arte acaba ficando em último lugar na hora de captação de recursos. O que menos importa é a história, o que vai ser dito, só querem saber do tamanho que a marca tal terá em cena.
O que o público irá encontrar em Jogo de Xadrez?
Pri: Se passaram dois anos desde o momento em que li o roteiro pela primeira vez e agora, com o filme nas telas. Durante esse período todo o filme cresceu, se transformou, e chegou até esse trabalho de impacto que estamos levando até às pessoas agora. Acredito que cada espectador terá a oportunidade de conhecer algo inédito, que é o sistema carcerário nacional, algo que geralmente fica escondido. É muito importante termos acesso a isso, entender melhor o que se passa. É diferente, também, do Carandiru (2003), que é um filme maravilhoso, mas que ficava muito no universo de cada presidiário, com todas aquelas histórias. No Jogo de Xadrez nós cruzamos a barreira, fomos olhar os dois lados da questão, de quem está lá dentro e quem ficou aqui fora. Nosso foco foi a relação externa com quem está preso. É isso que o filme oferece de novo, e a partir desse ponto de vista criamos a nossa história.
Fonte: Papo de Cinema
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