Todo mundo sabe o que esperar de Woody Allen quando vai ver um filme dele, e é por isso que ele é tão querido. O cineasta americano, vencedor de quatro Oscars, criou uma espécie de categoria própria de comédia, facilmente reconhecida pelo humor, linguagem e representação dos personagens. Com “Sonhos de um Sedutor” (Play It Again, Sam), sua segunda peça teatral, adaptada para o cinema, não é diferente. Originalmente montada na Broadway em 1969, ela está em cartaz no Espaço Tom Jobim, comprovando sua atemporalidade e a assinatura do artista. Não é difícil assistir à peça e traçar paralelos com trabalhos mais recentes dele, como os filmes “Blue Jasmine” e “Meia-Noite em Paris”.
Priscila Fantin e João Pedro Zappa: protagonistas da peça
A história gira em torno de Allan Felix, um crítico de cinema inseguro, ansioso, viciado em remédios e recém-separado de sua mulher, Nancy. Ela o abandonou acusando-o de se “um espectador da vida” e dizendo que queria viver e rir. Arrasado, ele busca consolo no melhor amigo, Dick, e em sua mulher, Linda, que tentam ajudá-lo na difícil tarefa de encontrar uma namorada nova. Só que Allan e Linda se aproximam demais depois de passarem tanto tempo juntos e descobrirem muitas afinidades, como a dependência de psicólogos, o afã por comprimidos e até o carinho por Dick. Para lidar com essa relação, Allan recorre aos conselhos de um imaginário Humphrey Bogart, seu ídolo. A dramaturgia é leve e bem humorada – com o melhor de Woody Allen, cheio de fluxos de pensamento.
O papel principal é interpretado por João Pedro Zappa (de “A Importância de Ser Perfeito”), que começa irritante com o timbre de voz esganiçado e termina incontestavelmente esplêndido. Com os óculos do figurino, ele é o próprio Woody Allen, tanto física quanto gestualmente, e faz mais um ótimo papel de sua carreira. O trabalho de direção de movimento (da Deborah Colker) feito com Zappa e o restante do elenco é exato. Linda, que foi interpretada por Diane Keaton, é vivida por Priscila Fantin (de “A Besta”) nesta versão, e completam o time o Heitor Martinez (de “O Rouxinol e o Imperador”) e a engraçada Georgiana Góes (de “Hamlet”). O diretor Ernesto Piccolo (de “Mais Uma Vez Amor”) soube explorar bem o elenco, de modo que todos se sobressaem. É boa a decisão de colocar Heitor para fazer tanto Dick quanto Bogart e Góes para dar conta de todos os personagens femininos.
O cenário de Clivia Cohen reproduz o apartamento do protagonista, com pôsteres de Bogart na parede e uma bagunça típica de quem não sabe se virar sem uma mulher: nada mais woodyallenesco. A iluminação de Jorginho de Carvalho é funcional ao marcar o que é real e o que é imaginação do Allan Felix, que cria duas ou três hipóteses em sua cabeça antes de qualquer ação (uma pena que o operador de luz por vezes se atrase). Na maior parte do espetáculo, cenário e iluminação dão conta do recado, mas tudo fica um pouco estranho quando há cenas ambientadas fora do apartamento. Não é digerível uma boate em volta da escrivaninha com a máquina de escrever em cena.
“Sonhos de um Sedutor” é um presente para os fãs cariocas do cineasta enquanto ele não se convence de vir filmar aqui, como todo mundo pede há tanto tempo. Por enquanto, o espetáculo é o mais próximo que chegaremos de sua arte. Pelo menos isso.
Fonte: TeatroEmCena
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